Mergulhado em suas preocupações cotidianas aflitivas que o machucavam a cada instante ao pensar que ele, pilar fundamental econômico da família, já impotente, de nada seria útil para o auxílio desta, não percebe que sua situação de metamorfoseado seria o grotesco da história e não sua ausência trabalhista. Trata-se de Gregor Samsa, que em uma manhã determinada, vê-se em um corpo estranho e tem de lidar com sua nova realidade.
Críticas contundentes e de certa forma, camufladas em uma bela história de ficção, Kafka descreve o que há de podre na sociedade, com seus valores distorcidos que reduzem a existência humana a um conjunto de ações mecânicas e frenéticas que devem obedecer a ordem ditada pela época, que de bela não tinha nada.
O ser (que não necessariamente é humano) é reduzido a um peso sobrenatural a partir do momento em que este não mais dispõe para a família e sociedade quaisquer vantagens e comodismos para sua sustentação. A valorização não aprecia a alma, a subjetividade e os feitos emotivos e irracionais que constroem relações, e sim a porcentagem de contribuição para a medíocre vida exposta de forma cruel e tão cotidiana.
A solidão de pensamentos, exposta de modo trágico e real, demonstra o enlouquecimento de uma mente sã que, presa entre um cômodo vazio e fúnebre, começa a desvencilhar suas ligações lógicas e memoriais para uma penumbra dolorosa de confusão mental. A solidão que é demonstrada na passagem do tempo também apavora leitores que temem serem deixados à sarjeta quando não mais forem úteis aos seus parceiros, ou mais conhecidos como integrantes da sagrada “família”, instituição histórica declarada generosa.
O que seria de um vazio exposto então à sociedade? Uma sociedade fria, que exige das vidas a massificação robótica e o cumprimento de ordens lucrativas? Uma sociedade que não aprendeu a compreender a dor alheia, a doença, o obstáculo, que suga a vida daqueles que tentam contribuir com algo, para retirar um pouco de sustento básico.
Entregamos nossa energia e sanidade mental e física para comer e podermos sustentar um corpo cansado, esgotado das cobranças infindáveis daqueles que destruíram até o próprio planeta com a desculpa de torná-lo melhor aproveitado (economicamente, obviamente, com a mínima distribuição de renda aceitável).
Prédios se erguem e pessoas caem. Alguns arrotam dólares e outros apodrecem a espera de um copo de água. Filas de doentes a agonizar, enquanto jatos banhados a uísque pousam em paisagens paradisíacas vendidas e restritas.
A classe trabalhadora perde o direito à vida, enquanto cumpre a obrigação do trabalho. Não existe piedade quando se tem a ganância. Qualquer vantagem deve ser extraída. Quem se importa com câimbras, convulsões, depressão e afins quando se pode encher o bolso ao fim do mês? Quanto vale um amor se este não for provedor?
Kafka trouxe à tona uma dor invisível. O desprezo pelo o que deveria ser o fundamental. Expôs o atentado à memória, às boas lembranças, à consideração e à gratidão. Destrinchou o podre da sociedade divisora de funções, que estão acima de qualquer valor humano. A virtude torna-se um lixo altamente dispensável e perigoso para a manutenção da ordem. A submissão é ensinada desde o berço e a morte é inevitável. (Só não pretenda morrer sem ser trabalhando para seu superior).
E, se dentro de cada um de nós, um imenso besouro estivesse a surgir? O besouro que nos impede de colocar dinheiro dentro de casa. O besouro da fraqueza, da indisposição, da doença, da dor, da velhice? Devemos então descartar uns aos outros por momentânea debilitação? Devemos rasgar nossas almas e pisoteá-las tais como na carcaça de um besouro? Ou devemos trancar nossas dores em um quarto escuro até que morram e nunca mais voltem a nos perturbar? Devemos nos policiar e impedir o sentir?
É muito sensível que um escritor tenha a capacidade de entregar em palavras subjetivas a denúncia da dor vivida por uma sociedade alienada em suas catequizações forçadas. Uma ficção mais realista que uma fotografia. Uma metáfora única, sincera, inquestionável.
E, se dentro de cada um de nós, um imenso besouro estivesse a surgir? O besouro que nos impede de colocar dinheiro dentro de casa. O besouro da fraqueza, da indisposição, da doença, da dor, da velhice? Devemos então descartar uns aos outros por momentânea debilitação? Devemos rasgar nossas almas e pisoteá-las tais como na carcaça de um besouro? Ou devemos trancar nossas dores em um quarto escuro até que morram e nunca mais voltem a nos perturbar? Devemos nos policiar e impedir o sentir?
É muito sensível que um escritor tenha a capacidade de entregar em palavras subjetivas a denúncia da dor vivida por uma sociedade alienada em suas catequizações forçadas. Uma ficção mais realista que uma fotografia. Uma metáfora única, sincera, inquestionável.