Em meio ao mundo, a abstinência do amor é apontada por mim como a responsável por tamanha dor coletiva, sentida, tragada e contínua. Esse incômodo que gera desconforto na boca do estômago, que pressiona as enxaquecas e os conflitos políticos, o tédio e o desacato nas ruas. Essa pressão que nos faz perder de nós mesmos, acreditar nas enciclopédias de doenças psicológicas modernas e exaltar o dinheiro como provedor do sucesso e da felicidade.
Não falo do amor romântico, muito menos aquele exclusivamente maternal. Não falo do amor utópico das fábulas, das ideologias infantis. Falo do amor à vida. Ao contentamento pela existência, à retirada da opacidade ocular, intelectual e cotidiana.
Quando foi que a sociedade se tornou tão apática? Quando foi que deixamos de vislumbrar os nossos próprios corpos, que agora vagam seguindo freneticamente um ritmo induzido, limitado, deturpado? Quando foi que as crianças se tornaram reféns da exploração capitalista e desperdiçaram sua imaginação e irreverência escondidas em aparelhos eletrônicos? Em que período idosos se tornaram utensílios descartáveis, pesos desgastantes e motivo de vergonha?
Diz-me porque a frieza se faz cada vez mais presente. Por que sábios estão calados, manipuladores exaltados, pessimistas alimentados, violentos valorizados?
Ah. Que dor grande que incide a cada fantasia limitada, a cada espontaneidade reprimida, a cada gesto generoso, agora tão recatado. Abraços são desprezados. Os teclados substituíram os timbres vocais.
É culpa da falta de amor.
Falta de deixar o coração bater conforme a própria subjetividade única e restrita a cada indivíduo, que não pode, nunca, ser padronizada. É o descaso com a família, com os pais, com os filhos, o marido, os amigos, os colegas de trabalho, a velhinha que está atravessando a rua, a criança sem escola, a exploração dos incapazes, as mortes abreviadas.
Homens se esqueceram do amor ao submeter mulheres a caprichos sexuais forçados. Mulheres se esqueceram do amor ao abortar o inocente que não pode escolher viver. Jovens se esquecem do amor ao escolher a infelicidade diária de optar por uma carreira que promete maior aquisição financeira. A sociedade se abstém do amor ao revogar à própria consciência e permitir que injustiças se consolidem a cada dia nas mais diversas situações e não temer pela dor e sofrimento alheios. Aglomerados se privam do amor ao abolir o diálogo em prol de programas televisivos alienantes, massificadores e ludibriantes.
O dinheiro reina. Tudo tem um preço. Mas falta o valor às pequenas coisas, que na realidade, acrescentam virtudes, momentos de satisfação, de harmonia e que não podem, pelos menos por enquanto, ser comprados. Falta observar o trajeto na direção, o por do sol após o término do expediente, a manifestação inocente de uma criança indagando sobre o mundo e suas diversas realidades. Falta apreciar o silêncio da madrugada, a paz do contato com a natureza (aliás, fujamos do concreto vez em quando), o nascimento de uma criança, a complexidade e intensidade do sexo não restrito à atividade mecânica, a companhia dos animais, a energia dos jovens e a sabedoria dos idosos, a interação entre faixas etárias, saudável, complementar, viva.
Por que fechar nossos olhos perante a grandiosidade universal, energética, magnética, única e infindável? Somos tão pequenos perto do que nos cerca... Mas temos o dom de expandir nosso conhecimento e percepção para muito além de nosso limite físico. Restringir a vida à atividades repetitivas e egocêntricas é um atentado à arte, à filosofia, ao dom do pensamento, à capacidade intangível do ser humano de se renovar e evoluir. Chega de falta de amor ao mundo, às perspectivas, aos toques, aos sentimentos, às sensações, à espiritualidade.
Chega de contentar-se em absorver o pouco mastigado do que nos é oferecido em embalagens pré-moldadas. Gozamos da capacidade de buscar, de formular nossas próprias inquietações e contentamentos. Vamos viver nossos sonhos e medos, ideais e visões, antes que o cronômetro zere e todas as possibilidades sejam engolidas pelo fim dessa vida.
Vamos marcar o mundo com criatividade, audácia, mudança. Abraços valem mais que seu Ipad novo. E sua vida não precisa ser “marionetizada”. Deve ser vivida, escrita, do jeito que te fizer feliz, te fizer vibrar, sorrir, e principalmente, AMAR.