Sensíveis, românticos,
introspectivos, generosos e com algumas derramadas de lágrimas dos olhos, são
vistos aqueles que se identificam com a personagem Amélie Poulain, do famoso
filme francês de 2001. Com o aguçamento dos sentidos mais nobres, hoje choram
com as injustiças e lutam pela mínima visão positiva sobre as delicadezas da
vida.
O filme, nada convencional e com a
ausência de manobras visuais grotescas, marca da atual indústria do cinema,
traz à tona, por meio do diretor Jean-Pierre Jeunet, o charme da vida. Das
pequenezas, das dores suprimidas, dos anseios mais subjetivos que tomam a alma
é que são avaliados um fardo ou um sentido de vida. A personagem principal,
Amélie, embalada em suas dores amadurecidas, constrói um novo panorama de
visão, que propicia o despertar para um olhar gentil e cauteloso sobre a vida, resultando
em ações cotidianas que devolvem essência aos passos sombrios que cercaram todo
o seu crescimento. A opacidade em sua vida familiar é substituída pela
incansável busca em suprir as carências e obstáculos de terceiros, por vezes,
desconhecidos. A generosidade é dividida em um misto de criatividade e audácia
ao realizar os feitos, predominantemente, anônimos.
Em sua incessante ação de feitos solidários
(ou levemente vingativos à maldade), em troca da recompensa de sorrisos e
contentamentos alheios, ela acaba por esbarrar em uma situação que a coloca
novamente em prática de suas doações. Não fosse seu coração a disparar, não
seria tão difícil finalizar seu cotidiano. Com a bondade escancarada em suas
poucas palavras pronunciadas, Amélie por hora, apaixonada, enfrenta a dor de
lidar com os próprios sentimentos, sufocados em uma esfera nada atingível,
colocada, talvez, como forma de defesa pessoal às dores de seu passado. Nesse
paradoxo imensurável a história se desenvolve. Em seus vãos momentos, ela se
contesta sobre a inabalável estrutura alienada em que paira seu interior,
emaranhado no medo e no distanciamento. Uma moça jovem, autêntica, que falha na
coragem de seguir seus próprios sonhos e emoções.
Para mim, inesquecíveis, o filme e a
personagem vivida pela atriz Audrey Tautou marcam, com poesia, o cotidiano
frenético da vida que passa despercebida aos olhos de seus habitantes. Abrindo
o paradigma do mecânico e repetitivo, as doces harmonias e travessuras de
Amélie brindam ao sutil e profundo requisito existencial valioso e desprezado
desde a estrutura econômica até a alienação profunda e vã das ganâncias
humanas. O prazer das mínimas experiências encontra seu altar no coração da
jovem sonhadora.
A história é detalhista e foca na
avaliação das características e perfis dos personagens. Uma análise subjetiva,
mostrada por meio de dados aleatórios à vida dos integrantes. Categoricamente
sensível, o filme mostra nuances íntimos e esquecidos.
Curioso e extremamente metafórico, é
o personagem dos “ossos de vidro”. Idoso, portador de doença congênita que o
impede de sair de casa para evitar acidentes, é o homem que mais atinge os
pensamentos de Amélie. As analogias feitas em suas pinturas promovem a
discussão entre ambos sobre os entraves da vida, perpassando as expressões dos
elementos que compõem o quadro. Através dessas conversas indiretas, a jovem
personagem expõe seus conflitos existenciais de modo discreto e peculiar e
obtém sábias respostas que interferem em suas perspectivas e posteriormente, em
suas ações finais.
Um filme que não poderia ser mais
atual. De tão essência, torna-se poesia. Sensível, provoca reações no
adormecimento das emoções e resgata o que há de puro em cada espectador.
Transforma o que está estático em aspiração de mudança. Em um mundo em que o
combustível é o dinheiro, a obra traz a recompensa em forma de emoções simples
e intensas, que engrandecem e satisfazem. Na tirania e egoísmo do dia-a-dia, um
toque de delicadeza pode enaltecer pontos de bondade. Por que o sonhador é
catastrófico? A catástrofe pode estar na morte dos sonhos, na ausência de
abraços, na condenação da doação e nos rótulos impostos por uma moderna
sociedade tecnológica e ao mesmo tempo, arcaica em seus quesitos espiritual e
altruísta.