Em seu brilhante texto Perspectivas, do livro “O que é Religião?”, Rubem Alves não trata de nenhuma religião específica. Ele aborda com sabedoria, as religiões em seu contexto geral, que por muitas vezes, nem sequer precisam estar presentes em locais sagrados ou sacramentados. Ele expõe dois panoramas religiosos, o místico e/ou encantando e o da experiência cotidiana, carregada discretamente, de religiosidade. Porém, faz menções que remontam à influência do catolicismo durante determinados períodos da história, à medida que cita a aparição de virgens em grutas, a presença marcante em centros de saberes científicos, a tomada de decisões com bases religiosas, etc. Além disso, ele expõe a religiosidade em um prisma diferenciado, onde a roupagem sofreu mutação, porém sua origem continua sendo a mesma, a origem da busca pela consciência humana e a divina, que mescladas, querem dar sentido à existência e às questões íntimas, que ao mesmo tempo são individuais e coletivas.
O autor referencia um tempo dividido entre um antes e um depois. Esses tempos foram assim fragmentados, pois com o desenvolvimento da ciência moderna, antigos preceitos religiosos perderam suas forças para explicar à sociedade determinados fenômenos e acontecimentos, que antes eram expostos de forma mítica e transcendente. O “antes” explicaria um mundo dominado pela fé, em suas ações de estado, sociedade e corriqueiras atitudes individuais, guiadas pelo superior a todo instante. O “depois”, jorra certa independência do homem em relação a dogmas e preceitos religiosos para ações em geral, como a tomada de decisão do Estado, as opções de vida em conjunto ou individualmente. Um tempo, o primeiro, seria guiado pela religião, pela crença, por relatos místicos. Já o segundo, seria vivido pela razão, pela lógica, pela ciência, por provas materiais e palpáveis.
O que proporcionou a mudança da prática religiosa entre esses dois tempos, foi, primeiramente o desenvolvimento da ciência moderna, que a partir de experimentos, realizações com bases lógicas, matemáticas, físicas, foi capaz de fornecer ao homem novas soluções e explicações para eventos, que antes possuíam embasamento teórico em suposições anexadas à religião, de modo que o homem foi educado a vislumbrar o mundo sobre nova ótica. A ótica da percepção material e prática, com a averiguação por meio da observação, da realização de ligações entre áreas do conhecimento, de cálculos e a utilização de maquinários. Por meio dessa nova categoria, a religião passou a ser dispensada dos centros de saberes humanos, pois sua influência viria na direção contrária do que a ciência buscava mostrar. Controversas e excludentes, a ciência e a religião já não mais poderiam ocupar o mesmo departamento para um consenso entre as escolhas. Foram assim dispensados, todos os aparatos e figuras religiosas que antes, significavam a autoridade na sequência de acontecimentos. Novos valores vieram de encontro com a nova sociedade que vinha evoluindo através da ciência, que não mais buscavam o suporte dogmático espiritual. Em segundo lugar, certo constrangimento ocupou a mente dos humanos da nova sociedade estruturada pela linha da lógica e da verdade comprovadamente numerada. Visto que, tudo é comprovadamente científico, assumir-se religioso tornou-se um atestado de ignorância ou de ilusão. Logo, para suprir as necessidades, ainda religiosas do ser humano, ocorreu uma mudança no tratamento da prática religiosa. Transvestidas de terapias, centros de psicologia, técnicas de meditação e relaxamento, rodas de debates filosóficos, energias positivas, entre outras, as religiosidades se expõem aos homens de modo discreto e mais socialmente aceito. Se por ora se viveu a ditadura religiosa, hoje se vive a ditadura da ciência, que oprime manifestações religiosas, ou no mínimo, as ignoram, de forma a constatar sua insignificância, ingenuidade ou loucura. O que se mostra no texto, é que na realidade, a religião se fundamenta principalmente, em questões existenciais que são instrínsecas ao homem e sua característica de ser indagador. O homem, em sua habilidade intelectual busca respostas à sua inquietude de existir a todo instante, e talvez, essas respostas, não estejam disponíveis em uma trajetória lógica tangível. Algumas aflições são abstratas. Algumas dores são invisíveis. Alguns sentimentos são intocáveis e a fé, a fé é subjetiva.